Finalmente, voltei para falar de um bom filme. Como já tinha começado a dizer, trata-se de Ben X (Bélgica, 2007).
Um adolescente com Síndrome de Asperger, um "tipo leve de autismo" (informações completas, aqui) enfrenta uma séria perseguição na escola. Em casa, ele se "refugia" no universo de um famoso jogo on line de RPG (Archlord), no qual ele é um "nível 80", forte, imbatível. A realidade e o jogo aparecem mescladas no filme, como acontece na própria forma do adolescente ver o mundo.
Vários aspectos desse filme podem chamar atenção, dependendo da "inclinação" de quem o vê... Assim, o fanático pelo jogo, ficará encantado pelo modo como as imagens do jogo permeiam a imagens clássicas, o que está muito claro no trailer abaixo. O crítico ferrenho desse tipo de jogo pensará nos perigos da fuga da realidade, no acirramento da violência, na perda dos valores ou sei lá...
Eu, Paula (muito prazer, rs), me interesso pelo Bullying. Foi o que mexeu comigo, muito além da experimentação narrativa, dos efeitos, do jogo, de qualquer outra coisa. Principalmente, porque o filme tem como ponto de partida, de inspiração, uma história real.
Qualquer indivíduo dito "normal" é capaz de lembrar de como os tempos de escola foram duros. Imaginem os que sempre foram taxados e considerados "diferentes"...
Se você é meu leitor, certamente não foi o imbecil valentão que sacaneou todos a sua volta na escola: a gorda, o cara de óculos, a menina de aparelho, o nerd... espero que não tenha sido entretanto o perseguido... você deve ter feito parte daquele enorme grupo que sabe que esse tipo de coisa acontece, conviveu com isso, sentiu pena de alguns, achou outros boçais, mas se calou, vai que a próxima vítima é você... não é? Quem tem coragem de defender o esquisito?
O esquisito é muito bem mostrado nesse filme... é la dentro, na cabeça do "diferente", que tudo acontece... E que raiva nos causa, que vontade de gritar, de responder às violências que ele sofre! Porque o esquisito nos foi bem apresentado, não é mais tão esquisito. É alguém que tem uma dor imensa e bloqueios que vão além do seu querer; reservamos duas horas para entender esse "diferente", bastou.
Não é um exercício que estamos acostumados a colocar em prática, o outro ainda é uma coisa que nós preferimos enquadrar baseados nos indicadores externos, mais fáceis de apreender. Definimos vários tipos e também o que esses tipos são obrigados a aguentar no decorrer da sua vida, fazemos isso desde pequenos.
Sempre achei as crianças naturalmente cruéis. A maioria das pessoas que conheço critica esse meu ponto de vista, me incluindo na categoria não-gosta-de-criança. Mas me parece muito plausível acreditar nisso, basta dar uma olhadinha em como se relacionam entre si, basta lembrar de como era na escola.
Mas é claro que existe uma diferença entre determinar que quem peidou for o gordão porque a bunda dele é maior e filmar, com o celular, durante o recreio, um espancamento e colocar no youtube. Via num documentário que isso está ficando corriqueiro por aqui, triste.
Na minha época (engraçado escrever isso, finalmente chegaram tempo e tema que me permitem usar essa frase, eita nóis, que alrgria!rs) levar uma borrachada era violento, ela batia nas suas costas, seu corpo se movia de um jeito estranho e todos riam, você se sentia humilhado, tinha receio de olhar para trás e ver aquelas caras felizes vendo sua cara cara de cocô...
O que você podia fazer? Podia levantar e espancar o imbecil que jogou, ir para a diretoria e levar para sempre o rótulo maginal violento, evitando borrachadas futuras. Ou, porque não, aceitar a borrachada um um pouco de humor, torcendo para que fosse uma coisa pontual, que não voltaria a contecer, faz aquela cara de cara legal, fala uma coisa espirituosa e torce, torce...
O que mais? Podia pegar a borracha no chão e atirar rapidamente em um outro mais bobo e fraco do que você para que todo riam dele, ufa!, que alívio... (esse sempre foi o tipo de anormal que eu mais detestei... hoje eles fazem intriga no condomínio, mas na reunião ficam com uma cara de visinho legal, doentes!). Ah, há um outro tipo que eu não tenho capacidade de entender, de interpretar, mas sei que existe... o voluntário da borrachada, "atirem borrachas em mim!".
Bom, lembro dessas coisas, mas lembro da minha mãe, principalmente, me convidando a colocar-me no lugar do outro, imaginando como se sentia meu amiguinho em tais condições e como deveria ser infeliz a atirador de borrachas, já criava imagens complexas para que eu interpretasse, me convidando a sentir uma variedade de coisas e me a colocar em vários papéis. Mas houve também a minha irmã mais velha que nunca aceitou participar desse tipo de circo, coisa que minha mãe sempre elogiou, reforçando, para mim, essa imagem de justiça e de tolerância.
Eu sempre tive amigos "diferentes" gostava deles, mas isso não me causava problemas com os atiradores de borracha; eu era grande e tinha uma cara feia, escondia muito bem o meu gênio mais para bebezão da mamãe do que para garota violenta, mas ninguém queria descobrir isso. E depois o esporte me salvou... garantiu minha passagem sem maiores transtornos por essa fase da vida. Mas eu sempre observei e sabia muito bem o que eu não queria, fui, emocionalmente, muito bem educada (tenho outras sequelas que não vêm ao caso, mas essa não... hehehheeh)
Dá para ver que eu gostei mesmo desse filme, não é, estou aqui viajando... mas isso é bom demais. Não é um artigo científico nem nada. Eu gosto de ver um filme com a liberdade de dar uma pausa e passar as duas horas seguintes divagando, mesmo mudando de tema, indo lá longe, voltando, ligando a alguma outra coisa que ouvi outro dia, perguntar para o meu marido o que ele acha daquilo, depois daquilo, depois daquilo... e ele tem que ter opinião... ai ai ai... depois posso até abandonar o tema para sempre... não importa... eu sempre tenho a sensação de que o espírito saiu enriquecido desse passeio... faço isso incansavelmente com a minha mãe ao telefone... ela também é... hum, hum..."especial"... hauahuahuahuah...
Voltando ao tema, para terminar, prometo (se alguém chegou até aqui...): o que me assusta um pouco é a impressão de que não só a frequência do bullying cresceu, mas também sua complexidade e crueldade. Eu não entendo muito disso, minha mãe fez um trabalho sobre isso há algum tempo e vou ver se ela tem algo escrito para nos ceder, gosto dessa discussão. Mas vou continuar depois...
Eu só queria falar de um filme que faz pensar... se fosse professora ele estaria na minha sala de aula... Pois, ao contrário do que pensa muita gente, acredito que crianças possam ser confrontadas a coisas complexas, sofrer frustação, entender limites e, mais importante, receber incentivos para construir e exercer plenamente sua humanidade (no sentimo mais amplo do termo).
Na minha época (engraçado escrever isso, finalmente chegaram tempo e tema que me permitem usar essa frase, eita nóis, que alrgria!rs) levar uma borrachada era violento, ela batia nas suas costas, seu corpo se movia de um jeito estranho e todos riam, você se sentia humilhado, tinha receio de olhar para trás e ver aquelas caras felizes vendo sua cara cara de cocô...
O que você podia fazer? Podia levantar e espancar o imbecil que jogou, ir para a diretoria e levar para sempre o rótulo maginal violento, evitando borrachadas futuras. Ou, porque não, aceitar a borrachada um um pouco de humor, torcendo para que fosse uma coisa pontual, que não voltaria a contecer, faz aquela cara de cara legal, fala uma coisa espirituosa e torce, torce...
O que mais? Podia pegar a borracha no chão e atirar rapidamente em um outro mais bobo e fraco do que você para que todo riam dele, ufa!, que alívio... (esse sempre foi o tipo de anormal que eu mais detestei... hoje eles fazem intriga no condomínio, mas na reunião ficam com uma cara de visinho legal, doentes!). Ah, há um outro tipo que eu não tenho capacidade de entender, de interpretar, mas sei que existe... o voluntário da borrachada, "atirem borrachas em mim!".
Bom, lembro dessas coisas, mas lembro da minha mãe, principalmente, me convidando a colocar-me no lugar do outro, imaginando como se sentia meu amiguinho em tais condições e como deveria ser infeliz a atirador de borrachas, já criava imagens complexas para que eu interpretasse, me convidando a sentir uma variedade de coisas e me a colocar em vários papéis. Mas houve também a minha irmã mais velha que nunca aceitou participar desse tipo de circo, coisa que minha mãe sempre elogiou, reforçando, para mim, essa imagem de justiça e de tolerância.
Eu sempre tive amigos "diferentes" gostava deles, mas isso não me causava problemas com os atiradores de borracha; eu era grande e tinha uma cara feia, escondia muito bem o meu gênio mais para bebezão da mamãe do que para garota violenta, mas ninguém queria descobrir isso. E depois o esporte me salvou... garantiu minha passagem sem maiores transtornos por essa fase da vida. Mas eu sempre observei e sabia muito bem o que eu não queria, fui, emocionalmente, muito bem educada (tenho outras sequelas que não vêm ao caso, mas essa não... hehehheeh)
Dá para ver que eu gostei mesmo desse filme, não é, estou aqui viajando... mas isso é bom demais. Não é um artigo científico nem nada. Eu gosto de ver um filme com a liberdade de dar uma pausa e passar as duas horas seguintes divagando, mesmo mudando de tema, indo lá longe, voltando, ligando a alguma outra coisa que ouvi outro dia, perguntar para o meu marido o que ele acha daquilo, depois daquilo, depois daquilo... e ele tem que ter opinião... ai ai ai... depois posso até abandonar o tema para sempre... não importa... eu sempre tenho a sensação de que o espírito saiu enriquecido desse passeio... faço isso incansavelmente com a minha mãe ao telefone... ela também é... hum, hum..."especial"... hauahuahuahuah...
Voltando ao tema, para terminar, prometo (se alguém chegou até aqui...): o que me assusta um pouco é a impressão de que não só a frequência do bullying cresceu, mas também sua complexidade e crueldade. Eu não entendo muito disso, minha mãe fez um trabalho sobre isso há algum tempo e vou ver se ela tem algo escrito para nos ceder, gosto dessa discussão. Mas vou continuar depois...
Eu só queria falar de um filme que faz pensar... se fosse professora ele estaria na minha sala de aula... Pois, ao contrário do que pensa muita gente, acredito que crianças possam ser confrontadas a coisas complexas, sofrer frustação, entender limites e, mais importante, receber incentivos para construir e exercer plenamente sua humanidade (no sentimo mais amplo do termo).
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